segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Peso da Imprevisibilidade


Está escuro e quieto, salvo por esporádicas sirenes e o ronco da minha amiga. Ela está agora provavelmente sonhando coisas malucas e desconexas – cachoeiras infindáveis, namorados desconhecidos, monstros sem cabeça – enquanto eu lido com a bagunça da minha vida. Por que nasci na minha família? Por que certos amores, por mais que ambos se esforcem para a felicidade do outro, simplesmente ruem? Lido com a bagunça da Vida. Por que pessoas realmente queridas morrem tão cedo? Por que os que mais sofrem com a guerra e a injustiça são os inocentes? Por quê?
Parece às vezes a Vida um sonho desconexo, um caos, sobre o qual tenho pouco controle. Nas aulas de física clássica no Ensino Médio, ensinaram que para cada ação existe uma reação; e me ensinaram os professores da vida que para cada ato meu, receberia o que me era justo por ele. “Sorria para a vida e ela sorrirá para você”, falam no Orkut; não beba demasiadamente e não terás cirrose. Entretanto, esqueceram de dizer que naqueles probleminhas de calcular velocidade numa queda livre, existiam inúmeras variáveis a serem desconsideradas. E que na minha vida, existem infindáveis variáveis também sobre as quais não chegarei nem perto de controlá-las.
Na medicina, certas doenças são passíveis de prevenção através de bons hábitos de vida; o melhor exemplo são as cardiovasculares (principal causa de mortalidade geral brasileira e mundial), em que fatores como tabagismo, etilismo, diabetes, hipercolesteremia, sedentarismo e obesidade se combatidos diminuem muito a possibilidade de desenvolvimento de aterosclerose e suas complicações (como infarto agudo do miocárdio por exemplo). Entretanto, mesmo para aterosclerose existem fatores de desenvolvimento sobre os quais não é possível atuar como idade, sexo masculino ou predisposição familiar. Logo falar sinceramente de ação e reação torna-se complicado.
Mais complicado torna-se justificar doenças de origem genética em que a mutação num cromossomo e por consequência o prejuízo de uma enzima, acaba por senão impedir a vida, privá-la de qualidade. Exemplo clássico é a Fibrose Cística, doença genética autossômica e recessiva, em que geralmente a mutação num único gene no cromossomo 7 leva prejuízo aos canais de Cloro do organismo e consequentemente o prejuízo do funcionamento de glândulas exócrinas. A pessoa acometida pode apresentar infecções respiratórias frequentes,   afecções gastrointestinais, podendo provavelmente morrer devido às complicações.
Buscar a culpa num caso desses é incoerente, como fizeram os discípulos de Jesus quando este encontrara um cego de nascença: “Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?”. Respondeu Jesus: “Nem ele, nem seus pais.” Pensar em justiça é complicado. É complexo.
Talvez complexidade seja parte da explicação. Voltando aos probleminhas de física do colegial, lembramos que todas as variáveis eram fixadas e o que era complexo demais para nossa cabecinha adolescente era desconsiderado. Isso para que os sistemas analisados fossem  lineares, simples e previsíveis. Entretanto, a física avança para além, ela avança para os chamados sistemas complexos.
Sistemas complexos são como um relógio analógico, daqueles cheios de engrenagens reguladinhas para que os ponteiros se movimentem no exato intervalo de tempo.  Se uma das engrenagens parar de funcionar, tudo pára, ou seja, o funcionamento do todo depende do funcionamento de cada parte. Entretanto relógios são reguláveis, previsíveis, e sistemas complexos tendem a ser imprevisíveis, então é necessário um exemplo melhor. Como Medicina é meu poço de exemplos preferido, um sistema complexo é o corpo humano. O que é o corpo humano se não um amontoado de células vivendo juntas, as quais dependem do conjunto para sobreviverem?
Células nervosas não funcionam sem as células do sangue para as suprir de oxigênio, mas o sangue não receberá oxigênio se os músculos da respiração não fizerem o oxigênio passar pela barreira alvéolo-capilar, e os músculos são por sua vez controlados pelas células do sistemas nervoso. Pensamos estar num equilíbrio, numa interação entre todas as partes que permite a vida. Entretanto, inúmeras falhas imprevisíveis externas ou internas podem ocorrer – um sangramento, uma mutação, uma infecção – impedindo o bom funcionamento e ocasionando morte.
Enquanto os físicos estudam a Teoria do Caos, ou seja, a lógica da imprevisibilidade de sistemas complexos, tais como o universo, e os médicos tentam buscar saídas para as mudanças do funcionamento do organismo, eu na minha cama estudo minha vida. Ela tal como um sistema complexo é cheia da fatos que simplesmente não estão sob meu controle. Desconheço o novo amigo que farei ao cumprir uma prova na faculdade amanhã, desconheço a pessoa que poderá embriagada me atropelar ou a alguém a quem eu amo, desconheço o dia e a hora da minha morte. Sou pequenina parte de uma sociedade, de um universo, ao qual posso influenciar, mas jamais controlar ou prever.
Sob o peso da incerteza, lembro da história dos príncipes de Serendip. Pensando neles vou adormecer, passando do caos da realidade, para o caos do meu inconsciente.

3 comentários:

  1. Gostei muito desse post Aninha. Maravilhosa reflexão, tanto pela profundidade quanto pelo estilo. Te visitarei sempre.

    Beijos!

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  2. Oi, Ninha!

    Com já disse, e vou repetir, é incrível como, ao msm tempo que o mundo é um "caos" incontrolável, fora do nosso alcance de compreensão plena, algumas coisas estão sempre caminhando, avançando, lutando...

    É incrível como nessa "pequena" pessoa, existe um mundo tão vasto e admirável. Como eu sempre digo, apesar d não parecer, estou sempre por aí pra te apoiar quando vc precisar.

    Grande abraço, do seu amigo,

    Eric

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  3. Seu apoio sempre apareceu quando mais precisei Kikinho!!! Apesar da correria d td q fazemos, vc estava lá qdo precisei de um ombro!


    obrigada

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