domingo, 29 de maio de 2011

Lanterna de Diógenes

A mitologia grega, assim como de outros povos, busca expressar através de suas histórias princípios e problemáticas da vida humana. É espantoso como podem se mostrar contemporâneas tais lições e ao mesmo tempo como muito se perdeu da admiração à tão rica cultura. Conta-se a história do filósofo Diógenes de Sínope (de quem Alexandre Magno teria dito “se não fosse Alexandre, queria ser Diógenes”) que ele saia em plena luz do dia pelas ruas da cidade com uma lanterna na mão, procurando por homens verdadeiros.
Homens verdadeiros, auto-suficientes e virtuosos. Uma escritora adventista norte-americana, Ellen White, também escreveu: "A maior necessidade do mundo é a de homens - homens que se não comprem nem se vendam; homens que no íntimo da alma sejam verdadeiros e honestos; homens que não temam chamar o pecado pelo seu nome exato; homens, cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao pólo; homens que permaneçam firmes pelo que é reto, ainda que caiam os céus." Se preferir, troque “pecado” por “maldade” em sua leitura.
Há momentos em que também sinto essa falta de homens de valor, sinceros, corretos, que não vendam sua fidelidade. A verdade é que comecei amizade com centenas de pessoas durante a vida, porém a maioria é tão fugaz como uma estrela cadente, e muitas vezes infelizmente por falta de lealdade. Raras são as amizades em que mesmo com pouco contato, pode-se confiar e saber o que esperar. Raríssimas são aquelas em que a abnegação pelo bem do outro é praticada.

“Amigo é feito casa que se faz aos poucos 
e com paciência para durar pra sempre 
Mas é preciso ter muito tijolo e terra
 preparar reboco, construir tramelas 
Usar a sapiência de um João-de-Barro(...) 
Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar,
 se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer
 Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha 
e oferece um lugar para dormir e comer 
Amigo que é amigo não puxa tapete
 oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem, 
quando não tem, finge que tem, 
faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão.” 


(canção de Zélia Duncan)





Aos meus sinceros, queridos e raros amigos, constelações que me guiam, meu amor e gratidão.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A flor e seu nome

Mas o que impressiona mesmo no amor-perfeito é o nome. Que responsabilidade, meu filho! Há por aí uma planta chamada de amor-de-um-dia, que não carece muito esforço para ser e acontecer, como doidivanas. Outra atende por amor-das-onze-horas e presume-se como sua vida é folgada. Há também amor-de-vaqueiro, amor-de-hortelão, amor-de-moça, amor-de-negro... muitos amores vegetais que desempenham função limitada. Mas este aqui não tem área específica, não se dirige a grupo, ocasião, profissão. É absoluto, resume um ideal que vai além do poder das flores e dos seres humanos.
Que sentirá o amor-perfeito, sabendo-se assim nomeado? Que tristeza lhe transfixará o veludo das pétalas , ao sentir que os homens que tal apelação lhe dera não são absolutamente perfeitos em seus amores? Que aquele substantivo, casado a este adjetivo, sugere mais aspiração infrutífera da alma do que modelo identificável no cotidiano?
A tais perguntas o sóbrio amor-perfeito não responde. O outono tampouco. Talvez seja melhor não haver resposta.

(Carlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Epitáfio

As palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco é infindável. 
(Madre Teresa de Calcutá)

    A paixão pelos livros é um princípio que aprendi com meu pai. Aprendi com as noites em que ele me lia um livro antes de dormir, pelo exemplo e pelas incansáveis recomendações. Uma das últimas recomendações foi A Obra Final, de Randy Pausch. Não é muito conhecido e tem uma capa engraçada como se tivesse um barbante amarrando, mas me ofereceu uma reflexão muito interessante.
   O autor escreveu o livro após descobrir que o tratamento que fizera contra o câncer pancreático não funcionara e lhe restavam alguns poucos meses de vida. Com uma família de três filhos pequenos e uma esposa, preocupado em deixar alguma lembrança para eles e para seus alunos, gravou alguns DVDs, fez uma última palestra na universidade em que lecionava e escreveu a obra com a ajuda de um amigo. Nesse último buscou relembrar alguns sonhos de infância e como conseguira realizá-los durante a vida, como por exemplo, trabalhar para a Disney, e alguns princípios que seguira durante os anos.
   Num dos capítulos, intitulado Sonhos para meus filhos, ele escreve: ”Vi muitos alunos passarem por minhas aulas e conheci muitos pais que não percebem o poder de suas palavras. Dependendo da idade da criança, ou da consciência que tem de si mesmo, um comentário desastroso do pai ou da mãe pode ser tão devastador quanto uma escavadeira. (...) Só quero insistir para que meus filhos encontrem o próprio caminho com entusiasmo e paixão. E quero que sintam como se eu estivesse ali com eles, independentemente do caminho que escolherem.” Apreciei a preocupação de Randy em deixar um legado pós-morte escrito aos filhos e a sua consciência do poder de suas palavras na vida deles.
    Poucos param para lembrar que um dia certamente morrerão. Quando falo que esse assunto é importante, falam que sou mórbida, porém é a crença sobre a morte que define religiões, cultura e conseqüentemente o modo de se viver. Diz Eclesiastes 7:2: “Melhor é ir para a casa onde há luto que para a casa onde há banquete. Porque aí se vê aparecer o fim de todo homem e os vivos nele refletem.” 
    Pare agora. Pense que você vai morrer cedo ou tarde.
    Depois de ter aceitado esse fato, se já não o aceitou, tente pensar em que tipo de legado você deixará às pessoas que estão ao seu redor, especificamente do legado de palavras. Há poucos meses uma querida professora, mãe de amigos meus e uma amiga para mim, faleceu de uma forma inesperada. No meu momento de pesar, busquei lembrar conversas nossas e sinceramente só consegui resgatar memórias boas em que ela se preocupava com meus problemas e me dava conselhos. Uma das últimas memórias foi de uma conversa no MSN em que eu tinha colocado no meu Nick: “Medicina, antes um sonho, hoje nem durmo”; e ela me falou: “quando queremos realizar um sonho, temos que passar muitas noites em claro”. Poderia parecer insignificante, mas aquele incentivo vai ficar guardado na minha memória e sempre que eu tenho que passar alguma madrugada acordada, recordo-me dela e me sinto encorajada.
    Gostaria de ser lembrada com carinho também pelas pessoas ao meu redor, não somente como forma de legado ou tentativa de uma continuidade de vida, mas também para que essas pessoas tenham certeza o quão especiais foram para mim. Para isso, fará diferença como usei minha capacidade de falar e me comunicar, temperados com sinceridade e amor. Talvez essa seja uma das poucas heranças que sejam mesmo válidas de se deixar.


domingo, 15 de maio de 2011

O medo do amor

  Medo de amar? Parece absurdo, com tantos outros medos que temos que enfrentar: medo da violência, medo da inadimplência, e a não menos temida solidão, que é o que nos faz buscar relacionamentos. Mas absurdo ou não, o medo de amar se instala entre as nossas vértebras e a gente sabe por quê. 

  O amor, tão nobre, tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte profundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático. Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio, ainda que com menos gravidade. 

  E ter o amor rejeitado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro. 

  Passa a dor do amor, vem a trégua, o coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca vazia. Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos. 

  Que corajosos somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas as vezes que o amor nos chama, fingindo um pouco de resistência mas sabendo que para sempre é impossível recusá-lo.

(Martha Madeiros)