quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Texto que era para ter ido

O texto que escrevi para o Bisturi (Jornalzinho do Centro Acadêmico da faculdade) de recepção dos calouros, mas que não se sabe ao certo porque (afinal foi enviado no prazo estipulado) não foi para a edição...


Querido(a) calouro(a) da 100a turma da Casa de Arnaldo,

Parabéns pelo esforço e dedicação que o trouxeram aqui. Acho que já percebeu que é muito bem-vindo, ainda mais nesse ano comemorativo do Centenário da nossa faculdade. Ao entrar no saguão e ver a escadaria, talvez você não tenha se dado conta, mas começou a fazer parte de uma tradição. Milhares de outros passaram pela mesma experiência e foram preparados para construírem a história da Medicina no Brasil.
O nome na lista, o orgulho dos pais, festa, ansiedade, expectativas. Mudanças monstruosas ocorrerão na sua vida, nada será igual, nem mesmo você. E um pouco de reflexão é sempre útil, ainda mais em períodos de muitas mudanças, e gostaria de lhe lembrar sobre a gratidão. Mas alguém que passou na PI-NHEI-ROS precisa de gratidão? Afinal, passou no vestibular mais cobiçado do país, e está adentrando numa faculdade de excelência.
Contudo, saiba: a conquista, mesmo incrível, não é só sua. É também das pessoas que participaram da sua educação: dos pais, que dedicaram suor e lágrimas para lhe garantir a oportunidade, dos professores do primário até o cursinho, que dedicaram noites planejando aulas e talento para ministrá-las com didática. É também dos amigos que lhe apoiaram para não desistir, entre muitas outras pessoas. O próprio Newton reconheceu que suas conquistas não foram somente dele quando disse: “se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes.”
Ainda nesse escopo gostaria de salientar que se você, calouro, e todos os filhos de Arnaldo, temos a oportunidade de estudar numa faculdade pública devemos isso à sociedade, cujos impostos e doações sustentam a grande estrutura da USP. Gratidão é reconhecer que somos devedores da educação que recebemos gratuitamente e então encontrar uma maneira própria de retribuir aquilo que nos é dado.
Felizmente, é possível já na graduação começar a nossa retribuição social através dos projetos de extensão. Um dos mais tradicionais é a Bandeira Científica, que desde a década de 1950 realiza expedições anuais a cidades carentes. Atualmente envolve vários outros cursos da USP além da medicina, como administração, engenharia, fisioterapia, fonoaudiologia, jornalismo, nutrição, odontologia, psicologia, entre outros. São realizadas atividades de assistência em Saúde, pesquisas científicas, atividades educativas, um documentário e relatório à Prefeitura da situação de Saúde da cidade.
Em 2010, participei como bandeirante do projeto que foi a Inhambupe, Bahia. No sertão do Nordeste, conheci uma realidade totalmente nova e pessoas receptivas, e sob a supervisão de médicos de várias especialidades, atendi meus primeiros pacientes. Tive contato com alunos de outros cursos, outras maneiras de pensar, e aprendi sobre importância da Atenção Primária, sobre as diferenças sociais no Brasil, sobre interdisciplinaridade, e claro, sobre medicina. Gostei tanto da experiência, que decidi ser diretora.
Em 2011 a expedição foi a Belterra, cidade próxima a Santarém, no interior do Pará. Foi outra experiência inesquecível trabalhar por pessoas que raramente tem assistência médica, e ainda ser recompensada por paisagens deslumbrantes da Amazônia. De todos esses momentos, entendi ainda mais o privilégio e a responsabilidade que temos por estudar na melhor Universidade da América Latina.
Por tudo isso, convido você, calouro, que conheça mais a Bandeira Científica. Agora você é parte não só da história da Casa de Arnaldo, mas também da história da Medicina no Brasil. Talvez seja muito para perceber agora, então aproveite com intensidade, festeje, se orgulhe, agradeça quem tiver que agradecer e conheça todas as atividades. Mas nisso tudo, lembre-se da sua responsabilidade social e continue sonhando, se possível, com um país melhor. Finalizo com Monteiro Lobato: “Loucura? Sonho? Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira, mas tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum.”

Ana Carolina Salles, turma 97, diretora da Bandeira Científica