segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Príncipes de Serendip

"Admiro a Ciência, é claro. Mas também admiro a Sabedoria."Saint-Exupéry

No país de Serendip (hoje Sri Lanka) há muito tempo atrás, havia um rei chamado Giaffer, o qual tinha três filhos. A estes, proporcionou o monarca a melhor educação sob a tutela dos mais sábios mestres, tanto em matéria de ciência quanto de moral. Ao final do processo educacional, quis Giaffer testar os filhos e lhes chamando disse: filhos, estou velho e já governei por muito tempo; vou me retirar do governo para viver uma vida de busca espiritual. Quero que vocês tomem conta do Reino. Um a um, os três renunciaram à oferta, dizendo não serem dignos desse poder. Surpreendido com a sabedoria deles, mas não satisfeito, o Rei finge-se furioso com a negação e os manda para uma longa jornada a caminho das terras do rei Berano.
Lá, o rei se impressiona com a sagacidade dos jovens e lhes proporciona várias tarefas, todas cumpridas, inclusive a de auxiliar Berano na superação de uma paixão. Neste conto árabe contado no Mundo Ocidental por Horace Walpole: “suas altezas realizavam contínuas descobertas em suas viagens. Descobertas por acidente e por sagacidade, de coisas que, a princípio, não estavam buscando.” Por exemplo, um deles descobre que porque a grama do caminho estava comida do lado esquerdo, a mula que ali passara era cega do olho direito e andava sempre na beira da estrada pelo lado esquerdo.
Através de Horace e suas correspondências com Rei George II (Florença) o termo Serendipidade foi criado. Ainda não presente nos dicionários de língua portuguesa, serendipidade define a capacidade de fazer descobertas inusitadas do acaso, de no meio do caos, perceber solução para dilemas. Advém da capacidade de observação e reflexão. Alguns a chamam insight.
Flemimg estudava estafilococos (tipo de bactérias) em placas de petri encubando-os; entretanto, não se sabe porque deixou umas placas certa vez sobre a bancada do laboratório. Ali, as placas receberam esporos de um fungo, Penicillium notatum, os quais cresceram sobre a cultura de bactérias. Pensando ter perdido seu trabalho, Flemimng antes de jogar fora, teve o insight ao perceber que em torno nos fungos habia uma zona clara sem Estafilococos. Ele investigou a toxina ali presente e descobriu a penicilina, princípio dos antibióticos – uma das maiores descobertas médicas de todos os tempos.
Através de um acontecimento aleatório e não provocado, ele foi capaz de observar, perceber e produzir conhecimento. Muitos cientistas antes dele tiveram suas culturas bacterianas prejudicadas por fungos, mas somente ele foi capaz de aproveitar um fato corriqueiro e aplicá-lo na solução de um dilema maior. Isso é serendipidade.
Como eu escrevi no post anterior, a vida é um sistema complexo, sobre o qual apesar de nosso desejo e esforços não temos controle. Fatos aleatórios e inesperados acontecem o tempo todo e podemos perder o sono tentando encontrar motivos, culpas, justiça nos problemas e fatos. A Ciência se baseia em teses, testes, repetições e manipulação. Demanda esforço, estudo e dedicação. Entretanto, descobertas muito importantes, tal qual a da penicilina foram iniciadas com eventos inesperados. A vida tal como a ciência em parte é controlada pelos nossos sonhos e esforços. Entretando, para o que não é controlado, é preciso serendipidade, sagacidade, jogo de cintura e o mais importante, fé.
Pascal escreveu que "o acaso só favorece a mente preparada". Fleming tinha a mente preparada através dos estudos para a descoberta da penicilina. Na vida, para estarmos preparados para dar ordem ao caos dos acontecimentos aleatórios, é necessário mais do que Ciência, é necessário Serendipidade, é necessário Sabedoria. Como Saint-Exupéry escreveu, "O teórico acredita na lógica. Ele julga que despreza o sonho, a intuição e a poesia; não percebe que essas três fadas se fantasiaram para seduzi-lo com a um apaixonado de 15 anos. Ele não sabe que  lhes deve as suas mais belas descobertas."
Foi da minha angústia de entender fatos inesperados,  para dar lógica à bagunça de minha mente que iniciei este blog. Desejo escrever aqui sobre filmes, poemas, notícias, livros e fatos que me fizeram refletir e descobrir algum princípio de sabedoria. Desejo que através dele, meus leitores também façam descobertas sobre o universo e seu caos. 
Milan Kundera diz em Insustentável leveza do ser que "o homem, porque não tem senão uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experimentos, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento." Os dias muitas vezes parecem peças de um quebra-cabeça gigante; poderemos chegar ao fim e não ver nada ou perceber que montamos tudo errado. Mas acredito que há pessoas que chegam à enxergar uma figura, e alguns muito abençoados vêem uma obra de arte. Gostaria de ser uma das abençoadas e ver um sentido para meus dias. Quando eu puder ver mais do que como num espelho, mas face a face e conhecer como sou conhecida (1 Coríntios 13:12), quero perceber sentido para o caos da existência. Até lá, buscarei a Sabedoria.

5 comentários:

  1. Gostei mtoo do seu blog ana...lendo esse texto pensei em algumas coisas que nao pensara antes e so me deu mais saudades das nossas conversas hehehe...um beijo!Felipe
    "a mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original"Einstein
    e outra frase que lembrei agora qdo li sobre serendipidade,eh 'por uma mente tranquila e aberta fluem grandes ideias' so q nao sei quem falou hahah x)

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  2. muito profundo Aninha, maravilhoso. Enquanto lia me lembrei que você se enquadra uma citação do Schopenhauer, filósofo alemão.


    "Antes de tudo, há dois tipos de escritor: os que escrevem por amor do assunto e os que escrevem por escrever."



    A escritora desse blog é do primeiro tipo. ;)

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  3. Adorei! Interessante a combinação de Pascal e Saint-Éxupery no mesmo post. Pascal, o grande cientista, defensor da lógica e do pensamento analítico, e Saint-Éxupery, o homem que disse que "as pessoas grandes pensam demais".
    Em algo ambos concordam: "o essencial é invisível aos olhos" (como dito n'O Pequeno Príncipe), ou seja, "o acaso só favorece a mente preparada" (porque enxerga com "outros olhos")
    Parabéns, de novo, pelo blog!

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  4. que comentário interessante! vc deveria fazer um blog tb Natan...hehehe

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  5. Oi Aninha. De qual livro você tirou essa frase de Saint Exupery?
    Obrigada
    Sheila

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