segunda-feira, 23 de maio de 2011

Epitáfio

As palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco é infindável. 
(Madre Teresa de Calcutá)

    A paixão pelos livros é um princípio que aprendi com meu pai. Aprendi com as noites em que ele me lia um livro antes de dormir, pelo exemplo e pelas incansáveis recomendações. Uma das últimas recomendações foi A Obra Final, de Randy Pausch. Não é muito conhecido e tem uma capa engraçada como se tivesse um barbante amarrando, mas me ofereceu uma reflexão muito interessante.
   O autor escreveu o livro após descobrir que o tratamento que fizera contra o câncer pancreático não funcionara e lhe restavam alguns poucos meses de vida. Com uma família de três filhos pequenos e uma esposa, preocupado em deixar alguma lembrança para eles e para seus alunos, gravou alguns DVDs, fez uma última palestra na universidade em que lecionava e escreveu a obra com a ajuda de um amigo. Nesse último buscou relembrar alguns sonhos de infância e como conseguira realizá-los durante a vida, como por exemplo, trabalhar para a Disney, e alguns princípios que seguira durante os anos.
   Num dos capítulos, intitulado Sonhos para meus filhos, ele escreve: ”Vi muitos alunos passarem por minhas aulas e conheci muitos pais que não percebem o poder de suas palavras. Dependendo da idade da criança, ou da consciência que tem de si mesmo, um comentário desastroso do pai ou da mãe pode ser tão devastador quanto uma escavadeira. (...) Só quero insistir para que meus filhos encontrem o próprio caminho com entusiasmo e paixão. E quero que sintam como se eu estivesse ali com eles, independentemente do caminho que escolherem.” Apreciei a preocupação de Randy em deixar um legado pós-morte escrito aos filhos e a sua consciência do poder de suas palavras na vida deles.
    Poucos param para lembrar que um dia certamente morrerão. Quando falo que esse assunto é importante, falam que sou mórbida, porém é a crença sobre a morte que define religiões, cultura e conseqüentemente o modo de se viver. Diz Eclesiastes 7:2: “Melhor é ir para a casa onde há luto que para a casa onde há banquete. Porque aí se vê aparecer o fim de todo homem e os vivos nele refletem.” 
    Pare agora. Pense que você vai morrer cedo ou tarde.
    Depois de ter aceitado esse fato, se já não o aceitou, tente pensar em que tipo de legado você deixará às pessoas que estão ao seu redor, especificamente do legado de palavras. Há poucos meses uma querida professora, mãe de amigos meus e uma amiga para mim, faleceu de uma forma inesperada. No meu momento de pesar, busquei lembrar conversas nossas e sinceramente só consegui resgatar memórias boas em que ela se preocupava com meus problemas e me dava conselhos. Uma das últimas memórias foi de uma conversa no MSN em que eu tinha colocado no meu Nick: “Medicina, antes um sonho, hoje nem durmo”; e ela me falou: “quando queremos realizar um sonho, temos que passar muitas noites em claro”. Poderia parecer insignificante, mas aquele incentivo vai ficar guardado na minha memória e sempre que eu tenho que passar alguma madrugada acordada, recordo-me dela e me sinto encorajada.
    Gostaria de ser lembrada com carinho também pelas pessoas ao meu redor, não somente como forma de legado ou tentativa de uma continuidade de vida, mas também para que essas pessoas tenham certeza o quão especiais foram para mim. Para isso, fará diferença como usei minha capacidade de falar e me comunicar, temperados com sinceridade e amor. Talvez essa seja uma das poucas heranças que sejam mesmo válidas de se deixar.


domingo, 15 de maio de 2011

O medo do amor

  Medo de amar? Parece absurdo, com tantos outros medos que temos que enfrentar: medo da violência, medo da inadimplência, e a não menos temida solidão, que é o que nos faz buscar relacionamentos. Mas absurdo ou não, o medo de amar se instala entre as nossas vértebras e a gente sabe por quê. 

  O amor, tão nobre, tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte profundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático. Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio, ainda que com menos gravidade. 

  E ter o amor rejeitado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro. 

  Passa a dor do amor, vem a trégua, o coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca vazia. Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos. 

  Que corajosos somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas as vezes que o amor nos chama, fingindo um pouco de resistência mas sabendo que para sempre é impossível recusá-lo.

(Martha Madeiros)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Não sei brincar em ser café com leite

“Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida, deitava-me ao sol, 
deixando a descoberto, não somente o meu corpo, como também a minha alma.
Aos homens, eu provaria quão equivocados estão ao pensar que deixam de se 

enamorar quando envelhecem, sem saberem que envelhecem quando deixam 

de se enamorar.” GGM




Eu não quero um amor pela metade. Eu não como pela metade, não durmo pela metade, eu não tomo banho pela metade, pra que amar se não for por completo? A geração Y vive na era da inconstância e da adaptação, das múltiplas atividades, mil janelas na Internet, muitos amigos e festas, muitos amores. Se fosse um link no meu Wall do Facebook, eu não curtiria essa maneira de se relacionar; e se tivesse a opção, eu a descurtiria.

O ganhador do prêmio Nobel de literatura, Gabriel Garcia Márquez, escreveu certa vez exatamente o desejo que pulsa no meu âmago. "Não sinto nada mais ou menos, ou eu gosto ou não gosto. Não sei sentir em doses homeopáticas. Preciso e gosto de intensidade, mesmo que ela seja ilusória e se não for assim, prefiro que não seja. Quero grandes histórias e estórias; quero o amor e o ódio; quero o mais, o demais ou o nada”. E a meu ver, grandes histórias só se constroem através de paciência, abnegação e integridade de caráter. 

Já escolhi o curso mais cobiçado do vestibular, já dormi a 3 mil metros de altura num frio de menos 5 graus centígrados, já enfrentei problemas familiares que não ouso nem lembrar com freqüência, já falei verdades sem nem parar para ponderar palavras. Nessas ocasiões tive medo, mas a vontade de tentar e fazer história, bem ou mal sucedida, era maior. Alguns chamam isso de coragem, mas às vezes chega a ser tolice. Gosto instintivamente de me dedicar ao que faço; com o amor não poderia ser diferente.

O amor, porém, esse sim me assusta. E esse medo não vem da falta de vontade ou do suposto tolhimento da liberdade, mas antes de não querer ser amada de forma incompleta. Não tenho paciência com mediocridade, em ser a segunda (terceira, quarta) opção ou com formas platônicas de sentir. Prefiro ouvir “não gosto o suficiente de você” do que a desculpa mais manjada do planeta “ o problema sou eu”. Prefiro não me casar jamais, do que o fazer por convenções e não por sentimento. Porém não desejo uma paixão desenfreada que arde em ciúmes e logo se esfria quando encontra outra palha para queimar.

Que comece devagar ou rapidamente, desejo somente que seja sincero e forte o suficiente para que suporte a rotina e as diferenças. Em Amor nos Tempos do Cólera, GGM trabalha (em tom muitas vezes bem-humorado) as universais problemáticas do amor e sexo como casamento, diferenças sociais ou envelhecimento, em meio a um triângulo amoroso mexicano entre fim do século XIX e começo do XX. Quando trata do casamento, traz uma frase genial: o problema do casamento é que se acaba todas as noites depois de se fazer o amor, e é preciso tornar a reconstruí-lo todas as manhãs antes do café. Acredito nesse tipo de reconstrução.

Ao final da história, encontramos um casal de idosos dentro de um quarto de um barco que não pode aportar por estar contaminado com o vibrião da cólera. E eles se amam como que para sempre no ir e vir de um porto a outro. Como meus avós, que tantas vezes reconstruíram o amor deles, desejo esse tipo de amor. Jamais perfeito, jamais incompleto. Eu os vi brigar muitas vezes e se reconciliarem tantas mais; mas sei que a última palavra antes de morrer do meu avô foi "Nina", com ele chamava minha avó.

Se não for para ser assim, que não seja.